No auge das mobilizações populares de junho passado, quando a classe política, atônita, não sabia para onde ir, coube à presidenta Dilma Rousseff tentar responder às milhões de vozes das ruas. Seu pronunciamento em cadeia de rádio e TV botou o dedo na ferida: “Proponho a convocação de uma Constituinte Exclusiva para debater e reformar o sistema político”. Mais que isso, o povo deveria ratificar ou não, por meio de plebiscito, os termos da reforma aprovada.

A iniciativa poderia ser o primeiro passo para reconstruir uma ponte que há muito tempo já não existe entre a população e seus representantes eleitos. A expectativa, porém, não resistiu ao primeiro choque de realidade. Menos de 24 horas após o discurso de Dilma, as figuras mais reacionárias da República, a começar pelo próprio vice-presidente, Michel Temer, e seu PMDB, além de segmentos conservadores do Judiciário, cujo portavoz mais proeminente é o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), trataram de sepultar a possibilidade de uma constituinte. Dilma, então, se calou.

Sociedade civil reage

“O sistema político brasileiro está, talvez, no seu momento histórico mais desacreditado”, aponta Rosângela Piovezani, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). Essa constatação ficou incontornável após a onda de mobilizações. Diante desse quadro, dezenas de organizações políticas e movimentos sociais lançaram, em setembro, a campanha do plebiscito popular por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político. O objetivo é muito claro: só uma nova assembleia constituinte exclusivamente dedicada a propor uma reforma política, será capaz de mudar a atual realidade.

“Está mais do que demonstrado que este Congresso Nacional não quer e nem tem condições de fazer uma mínima reforma política. É um descompasso total com os anseios da sociedade. Só nos resta construir um outro processo”, avalia José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

E o plebiscito já está começando a tomar forma. De acordo com Paola Estrada, pelos 20 estados estão montando comitês e cada localidade (bairro, comunidade e região) poderá constituir um grupo para mobilizar em prol da campanha. Cursos de formação, cartilhas, vídeos e debates serão realizados pelos próximos nove meses. A campanha também já tem site e página nas redes sociais (veja box).

Finalmente, de 1º a 7 de setembro deste ano, a população poderá votar em milhares de seções eleitorais populares espalhadas pelo país. Responderão à seguinte pergunta: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?”. Os votos coletados não terão validade jurídica, mas será um poderoso instrumento de pressão política contra governo e Congresso Nacional.

Exclusiva e soberana

Para que tenha capacidade de transformar o atual sistema político, uma assembléia constituinte tem que ser exclusiva, ou seja, seus representantes eleitos unicamente com essa finalidade. Depois de aprovadas as mudanças, a assembleia seria dissolvida e seus representantes não poderiam concorrer em processos eleitorais por um prazo pré-definido. Isso seria algo inédito no Brasil. Em 1988, o próprio Congresso Nacional eleito foi investido como assembleia constituinte, sem qualquer desvinculação.

“A assembleia constituinte não pode ser o Congresso Nacional. Na constituinte de 1988, foi dado poder ao congresso eleito pra elaborar nova constituição. De manhã, era Congresso Nacional e a tarde se transformava em constituinte. Os parlamentares continuavam submetidos às pressões do Judiciário e do Executivo, perdendo a soberania que deveriam ter.

Tanto que algumas amarras da ditadura foram mantidas”, explica Moroni, do Inesc. A anistia aos militares assassinos, a manutenção da estrutura agrária, o pagamento da dívida pública ao sistema financeiro e polícia militarizada foram algumas dessas amarras.

Outros plebiscitos

Não é a primeira vez que movimentos sociais e organizações políticas constroem plebiscitos populares com este do sistema político. Quando os Estados Unidos e o então presidente Fernando Henrique Cardoso queriam que o Brasil integrasse a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), essas mesmas entidades, contrárias à proposta – que tornaria o país um mero satélite comercial dos estadunidenses –, organizaram uma consulta à população. Foram coletados mais de 10,2 milhões de votos em 46 mil urnas instaladas em todo o país. Um trabalho voluntário que envolveu 157.837 pessoas. O resultado não deixou dúvida: 98,32% dos eleitores rejeitaram a entrada do país na área de livre comércio.

Meses mais tarde, o recém-empossado presidente Lula, em encontro de chefes de Estado de todo o continente americano, disse não ao próprio presidente George Bush sobre a Alca. Outros importantes plebiscitos foram realizados ao longo da década passada. Em 2000, houve consulta sobre o pagamento da dívida externa e, em 2007, a população respondeu sobre a privatização da companhia Vale do Rio Doce.

Organizar um Plebiscito Popular para consultar a população sobre um tema fundamental é mais que um exercício da própria democracia. “É também uma forma de luta. Se a maioria dos deputados e senadores se recusa a alterar o sistema político e não convoca um plebiscito, a população se organiza e constrói o Plebiscito Popular. Uma forma de luta que todos podem participar”, afirma um trecho da cartilha elaborada pelos movimentos sociais envolvidos no processo.

Plebisicito Popular por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político

Site: www.plebiscitoconstituinte.org.br

Rede social: facebook.com/plebiscitoconstituinte

E-mail: plebiscitoconstituinte@gmail.com

Informações do jornal Brasil de Fato

Leave a Comment

Fale com a Jô