Quando se fala em minorias étnicas no Brasil logo lembramos dos povos indígenas e dos afro-brasileiros. Populações com um histórico de luta pela afirmação de direitos e contra o preconceito. Porém uma outra minoria étnica que sofre cotidianamente com a discriminação ainda é pouco lembrada. Trata-se do povo cigano.

Com raríssimas publicações e nenhum estudo oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) sobre essa população, restam as narrativas da literatura, músicas ou telenovelas. Interpretações que muitas vezes retratam esse povo de uma forma pejorativa. A escassa bibliografia a respeito que se tem acesso trata apenas dos ciganos europeus do início do século 15 até os dias atuais.

Os ciganos não são citados na Constituição Federal e apenas a partir de 1994 passaram a ser citados em documentos governamentais. A partir dos governos do ex-presidente Lula começou o debate sobre políticas pró-ciganos, mas ainda com pouca efetividade. Somente em 2006 foi instituído o 24 de maio como o Dia do Cigano no Brasil.

Para superar a barreira da desinformação, organizações ciganas têm atuado regionalmente ou localmente em prol de seus direitos e reivindicações. Associações têm buscado apoio junto à mandatos parlamentares de viés progressista e apresentado sugestões de políticas e projetos de lei. É o caso da Federação Nacional das Associações dos Direitos e Leis Romani e União dos Ciganos do Brasil (Fenadruci) em Curitiba.

Há anos a entidade busca um local para abrigar um memorial da cultura cigana na capital paranaense. A reivindicação se tornará realidade por meio de um projeto aprovado nesta semana na Câmara de Curitiba. Apresentada pela Professora Josete (PT), a proposta é que o espaço seja instalado em um jardinete no bairro Guabirotuba. Ainda não está definido se será construído algum monumento ou se será apenas a nomeação do terreno.

O projeto revoga a Lei Municipal 10.576/2002, que previa a instalação de um memorial à cultura cigana mas não determinava um local específico. O objetivo, segundo Josete, é valorizar a cultura cigana e auxiliar na superação da barreira da discriminação. “Os ciganos representam uma cultura secular que precisa ser respeitada em nossa cidade. É bandeira de nosso mandato a defesa da cultura e da tradição de cada povo. Em uma sociedade ainda preconceituosa é importante garantirmos isso. É um projeto aparentemente simples, mas que caminha neste sentido”, comenta.

Para Mauricio Cristo, presidente da Fenudruci, a expectativa é que a partir do memorial a população de Curitiba busque saber mais sobre o povo cigano. “A expectativa é mostrar para Curitiba quem somos nós. Hoje não temos um espaço, um local onde a população possa buscar esse conhecimento sobre a cultura cigana”, diz Cristo. “Será um local para nos reunirmos, fazermos festas, assim como os imigrantes japoneses, alemães, italianos que vivem aqui”, acrescenta Claudio Ivanovich, presidente da Associação de Preservação da Cultura Cigana de Curitiba.

Para Ivanovich, o desconhecimento é a raiz do preconceito aos ciganos. “O cigano é um povo com cultura, com língua, com sua fé”, aponta. Ele destaca que os ciganos são perseguidos desde os tempos das conquistas. “Lá atrás nas caravelas desceram com espelhos, cordas, espadas e cruzes. Depois queimaram as bruxas. Quem eram as bruxas? As ciganas. A igreja nos matou, nos roubou em nome de Deus. Os bens foram saqueados e leiloados. Metade iria para o estado e outra metade para igreja”.

Ex-integrante do Conselho Nacional de Política de Promoção da Igualdade Racial, Ivanovich acrescenta que seu povo é carregado de ‘rótulos’. “Sempre fomos um pesadelo, a palavra cigano parece um xingamento, um atentado ao pudor. Até o tom de voz da pessoa muda quando fala ‘cigano’. Se alguém cometeu um crime foi o cigano, dizem que roubamos crianças. Somos os filhos indesejáveis do Estado”.

Características comumente atribuídas aos ciganos são o nomadismo e a vida errante, de modo que muitas vezes os ciganos são identificados como nômades. Ivanovich contrapõe: “Nem todo cigano mora em acampamento. Temos nossas casas. Até a poesia erra com os ciganos com coisas como: ‘povos das estrelas que adoram dormir ao relento (sic)’. Quem gosta de dormir ao relento?”, questiona.

‘Velhaco’, ‘burlador’

Para o antropólogo e pesquisador Frans Moonen, que estuda o ‘anticiganismo’ no Brasil, “os ciganos constituem a minoria étnica menos conhecida e, talvez, por isso a mais odiada e discriminada no Brasil”. Algo que era alimentado recentemente até pelos dicionários, que apresentavam a palavra cigano de forma pejorativa e preconceituosa. Até 2012 era possível encontrar na versão eletrônica do dicionário Houaiss, os termos “velhaco”, “burlador” ou “aquele que trapaceia” como sinônimos. A retirada desses termos só aconteceu após uma ação do Ministério Público de Minas Gerais.

Os ciganos estão divididos no mundo em três principais grupos: os Rom, os Sinti e os Calon. Esses grupos por sua vez são divididos em diversos subgrupos. Os Roms são os mais presentes, inclusive no Brasil, porém há um grande número de Calon – esses mais acostumados ao nomadismo. São povos que se diferenciam entre si linguisticamente, economicamente e socialmente.

Mesmo sem dados oficiais do Estado Brasileiro, estima-se que no país existam cerca de 600 mil ciganos. No Paraná o número deve chegar a 30 mil e em Curitiba em torno de 400 pessoas. “Não há dados oficiais do Estado, não há um censo. Para formatar política pública você precisa saber quantos são e onde estão”, critica Claudio Ivanovich.

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