Em entrevista ao Boletim Informativo do Mandato da Vereadora Professora Josete, o professor de economia Fabiano Dalto, coordenador do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da UFPR, explica por que, para recuperar a economia, o país deveria fazer justamente o contrário do que a PEC 55 impõe: aumentar investimentos públicos e distribuir renda.
Houve realmente um aumento tão grande assim nos gastos que justifique este teto imposto por 20 anos?
Isto é absolutamente falso. A PEC pega o que chamamos de gastos primários da União. Ela deixa de fora gastos financeiros, como a dívida e os juros da dívida. Então estamos falando de todos os gastos do governo com saúde, educação, investimento público, justiça, segurança, exército, tudo, menos a parte financeira. Pegando só essa parte de que trata a PEC, o gasto público teve um crescimento real, já descontada a inflação, de cerca de 4% durante o segundo governo FHC. No primeiro governo Lula, perto de 5%; no segundo governo Lula, algo próximo de 5,5%, e no primeiro governo Dilma, 4,2%, ou seja, cresceu a mesma coisa do que com o governo FHC. Menos do que o segundo governo Lula, quando o Brasil mais cresceu durante os últimos 40 anos. Falar em crescimento exagerado de gastos não bate com os números.
Mais do que isso. Pegando o único ano do segundo governo Dilma, 2015, os gastos públicos caíram, ficaram negativos. Não é que eles diminuíram a velocidade de crescimento, eles ficaram negativos em termos reais comparados com 2014. Quando pegamos as grandes contas, que são Pessoal, Benefício Social, Custeio, onde entram Saúde e Educação, e Investimento, todas estas categorias, a queda foi gigante, a maior delas em saúde: 37% em termos reais em 2015, comparado com 2014. O primeiro problema de todos com a PEC é a mentira de que os gastos estavam crescendo. Isto não aconteceu. A premissa é falsa.
O Brasil gasta muito?
Nós gastamos pouco. Os países com melhor saúde, educação, transporte, moradia, que são aqueles no norte da Europa, como Suécia, Finlândia, Noruega, etc, todos eles investem algo próximo a 50% do PIB ou mais em gastos públicos. Se essa é a referência, nós gastamos pouco. O Brasil gasta em torno de 20%, muito pouco. Em saúde, por exemplo, o Brasil gasta, aproximadamente 600 dólares per capita por ano. Na Europa, em média, gasta-se 3000 dólares por pessoa por ano.
Os defensores da PEC afirmam que o Brasil precisa arrecadar tanto quanto gasta, “ajustar as contas”. Você concorda com isso?
De forma alguma. O governo Temer diz que a PEC vai melhorar a conta pública, ou seja, a diferença entre o que o governo arrecada e gasta. O governo vai ficar recebendo mais do ele gasta, e ao melhorar esta conta pública, através de um passe de mágica, os empresários vão ficar mais confiantes no governo, vão investir mais e todos nós vamos ficar felizes com isso. Essa é a ideia. Só que tudo nesse argumento é uma falácia. Digamos que eu sou o governo. Você é o contribuinte, o empresário. Digamos que todo ano eu vou gastar R$10 com você e te cobrar R$20. Você vai ficar feliz, confiante? É claro que não. E isso é o superávit.
Eu não estou dizendo que qualquer déficit é bom. O que eu estou dizendo é que o déficit não necessariamente é uma coisa ruim. É ruim porque o governo geralmente não tem esse déficit com (investimentos no) trabalhador, tem déficit com o banqueiro, com o empresário, aí o trabalhador tem que se vender para esses caras para conseguir o dinheiro dele para pagar os impostos. O governo tem que gastar mais com o pobre. Até do ponto de vista econômico é melhor que se gaste mais com o pobre. Porque o pobre, quando ele recebe os R$150 do Bolsa Família, ele gasta tudo na quitanda perto da casa dele. O quitandeiro vai ficar feliz, vai comprar mais produtos para colocar à venda, e assim a economia funciona. Todos os lugares que tiveram o Bolsa Família são os lugares onde mais cresceu o PIB desse país nos últimos 20 anos. A gente precisa gastar mais, não menos. A gente precisa de mais universidade pública, não menos. A gente precisa de mais postos de saúde, não menos. O que realmente nos interessa é serviço público universal, de qualidade e com investimento crescente, para que a gente possa ampliar direitos sociais. Temos que garantir o básico, e nem isso a gente conseguiu ainda.
O governo afirma não ter dinheiro para estes investimentos necessários. É verdade?
As pessoas, tanto na esquerda quanto na direita, caíram nessa bobagem de que o Governo não tem dinheiro para fazer as coisas. Governo Federal sempre tem dinheiro. A gente precisa definir prioridades, o que a PEC não faz. Ela simplesmente coloca um teto. As prioridades vão ser definidas pelo poder político que os setores tiverem. E nada de bom que estão achando que vai acontecer com a PEC vai acontecer. O setor privado só investe de uma maneira: ameaçado pela perda de mercado. O que o governo Lula fez? Gasto público, crédito para o povo, Bolsa Família. O que aconteceu? A demanda cresceu tanto que os mercados foram aparecendo. Aí o empresário pensou assim: epa, se eu não colocar minha empresa lá, outro vai colocar. É assim que você incentiva o empresário. Ele não investe por causa dessa confiança genérica. Ele vai ter confiança se ele tiver recorde de venda todo dia, aí ele vai lá e faz outra fábrica. Hoje, a capacidade ociosa é grande. Quem poderia produzir 100, tá produzindo 60, 70. Se aumentar a demanda, ele pode simplesmente aumentar a produção, não vai investir mais em outra fábrica que produza 100 se só tá vendendo 60. Fazer o empresário investir é difícil. Você só faz isso com investimento público, principalmente em infraestrutura, e distribuindo renda, porque a distribuição de renda faz as pessoas gastarem mais. Por isso que o Brasil foi muito bem alguns anos atrás, porque o Lula fez isso no seu segundo governo: investimento público de um lado e distribuição de renda de outro. O Bolsa Família é uma sacada econômica brilhante. Estudos mostram que a cada R$1 investido em gastos sociais, o governo recebe R$1,50, R$1,80. É inacreditável que exista quem diga que Bolsa Família só serve para sustentar vagabundo com todos os estudos que já foram feitos.
Caso fosse realmente necessário fazer este “equilíbrio nas contas”, limitar os gastos é a melhor solução?
Já foi mostrado que, com algumas mudanças, e não precisam nem ser mudanças profundas, nós já teríamos dinheiro suficiente para resolver o problema do déficit momentâneo que nós temos. Por exemplo: grandes empresas devem muito dinheiro para o governo e não pagam, muitas vezes porque recorrem na justiça. Nós chamamos isso de dívida ativa. A dívida é de cerca de R$1 trilhão, só que cerca de R$250 bilhões já tramitaram em julgado, ou seja, não cabe mais recurso. O governo já ganhou. Isso já é mais do que o déficit atual, que estão falando em R$170 bilhões. Para mim isso não importa, mas caso você ache que precisa quitar este déficit, você já tem R$250 bilhões que pode pegar agora. É só dar um incentivo, diz que, quem pagar agora, ganha um desconto de 30%.
E por que não fazem isso?
Bom, porque os juízes estão muito preocupados com o caso da Petrobras, que representa R$10 bilhões de reais. Eles não estão preocupados com R$250 bilhões já reconhecidos pela justiça. Outro exemplo: o Brasil é um dos únicos países do mundo que dá isenção de imposto para a pessoa física quando ela recebe lucros e dividendos. As empresas pagam 15%. É ilógico isso. O normal é eu dar incentivo fiscal para a empresa e cobrar da pessoa física. Isso é lá da época do FHC, mas os governos Lula e Dilma tiveram a oportunidade de mudar isso e não mudaram. Só colocando uma alíquota nessas pessoas se arrecadaria mais de R$ 100 bilhões, pelos cálculos feitos.
As desonerações fiscais do governo Dilma, que foram outro erro, não só serão mantidas neste governo Temer como devem ser ampliadas. E aí você está deixando de arrecadar R$220 bilhões por ano sem que os empresários precisem investir um centavo. É só lucro, que vai parar no bolso da pessoa física que recebe lucros e dividendos e não paga imposto nenhum. Se você recupera aquele dinheiro da dívida ativa e para com as desonerações, que é uma decisão do executivo, nem passa pelo legislativo, só aí já são mais de R$400 bilhões. Se você fala para o Banco Central reduzir em 1% a taxa de juros, só aí já dá quase R$100 bilhões. Se você quer realmente recuperar a receita do governo, não é uma coisa absurda. Não precisa dessa PEC que não faz sentido nenhum.