29 de agosto é Dia da Visibilidade Lésbica, data que encerra programações do mês voltado a lembrar da existência das mulheres lésbicas e fazer um alerta para o combate as diversas formas de violência por elas sofridas e que culminam no lesbocídio, que é o assassinato de mulheres lésbicas por motivo de lesbofobia ou ódio, repulsa e discriminação contra a existência lésbica.
O lesbocídio é uma variante do feminicídio, crime que mata mulheres todos os dias no Brasil. Segundo o Atlas da Violência 2020, mais de 4 mil mulheres foram mortas no país em 2019. Nos últimos nove meses, oito mulheres lésbicas foram mortas no Paraná, segundo a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL).
Em 2018 foi publicado o primeiro “Dossiê sobre lesbocídio no Brasil”, elaborado pelo Núcleo de Inclusão Social (NIS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com dados de 2014 e 2017. Ele apontou crescimento de 237% nos lesbocídios no período. O levantamento mostrou que 55% dos casos aconteceram em mulheres “não-feminilizadas”, ou seja, que não aparentam o ideal de feminilidade que a sociedade impõe às mulheres; e 83% delas são mortas por homens.
Na raiz destes crimes está o machismo e o sexismo. “Nossos corpos lésbicos, principalmente as lésbicas que não performam a ‘feminilidade’, afrontam a masculinidade. E no momento que você afronta essa masculinidade hegemônica, você acaba virando um alvo. Amar uma outra mulher é uma afronta a essa masculinidade”, comenta Léo Ribas, articuladora da LBL no Paraná.
Além dos assassinatos, as lésbicas e bissexuais convivem com outras formas de violências físicas e psicológicas. Uma das mais graves é o chamado ‘estupro corretivo’, que se refere a uma tentativa de ‘correção’ ou ‘conversão’ da sexualidade da vítima.
Segundo Léo, a maioria destes crimes acontecem dentro do círculo familiar. “Muitos desses estupros são cometidos por pais, irmãos, tios para fazer com que a lésbica ‘se torne mulher’. Elas nunca deixaram de ser mulheres, elas só amam outras mulheres. Esses estupros corretivos transformam essas vítimas em suicidadas sociais. A família não deu conta e o Estado não dá conta quando abandona essa vítima a própria sorte”, comenta a militante.
Apagamento histórico
O marco do movimento de direitos da comunidade LGBT no Brasil iniciou com um levante protagonizado por lésbicas – o Levante do Ferro’s Bar, em São Paulo. Essa revolta ocorrida em 1983 é considerada o “Stonewall brasileiro”, em comparação ao levante ocorrido nos EUA pela afirmação de direitos da comunidade LGBT. Apesar dessa origem, por muitos anos o movimento LGBT no Brasil manteve seu foco em homens cis, brancos e gays, desencadeando o processo de invisibilidade do recorte lésbico e bissexual.
“Sempre fomos invisibilizadas até mesmo dentro do movimento LGBT. E olha que tudo começou com o Levante do Ferro’s Bar, mas ao longo do tempo o machismo atravessou a nossa história de luta e resistência e apagou esses corpos, práticas e existências. Somos diariamente anuladas nos discursos, nas falas e nas políticas públicas a partir do momento que não há nenhuma política voltada às mulheres lésbicas. Somos corpos à margem”, afirma Léo Ribas.
De acordo com a militante, as lésbicas não se reconhecem no termo homofobia, pois não derivam de homens. “Até no momento da decisão do STF [Supremo Tribunal Federal], quando criminaliza a homo e a transfobia, ela retirou a lésbica deste espaço. Porque por trás da lesbofobia está o machismo e o sexismo”, acrescenta Léo.
Visibilidade e resistência
Em razão dessa invisibilização e do preconceito sofrido pela orientação sexual, movimentos organizados de lésbicas têm buscado iniciativas que reforcem essa luta. Entre essas ações está a criação de leis.
Pensando nisso a bancada do PT na Câmara de Curitiba – formada por Carol Dartora, Professora Josete e Renato Freitas, juntamente com a vereadora Maria Leticia (PV) – apresentaram um Projeto de Lei que buscar instituir em Curitiba o Dia Municipal de Enfrentamento ao Lesbocídio.
A proposta foi uma construção coletiva entre mandatos e entidades como a Liga Brasileira de Lésbicas, Rede Nacional de Ativistas e Pesquisadoras Lésbicas e Bissexuais (Rede LésBi Brasil), a Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras e Feministas (Candaces), a Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL) e o Dossiê do Lesbocídio. Conforme a proposta, a data passaria a fazer parte do calendário oficial do município, anualmente no dia 22 de junho – data alusiva a primeira reunião realizada pela Liga Brasileira de Lésbicas, em 2003.
Além disso, a lei – caso aprovada – prestará uma homenagem à Aurea Célia Maciel, artista e militante dos direitos humanos em Curitiba, que faleceu no início deste ano em decorrência da Covid-19.
“Construímos esse PL junto com diversos movimentos. É uma lei que está sendo articulada em vários municípios. A primeira versão aprovada foi no Rio de Janeiro, onde ele leva o nome de Lei Luana Barbosa, que foi uma vítima do lesbocídio e da violência policial. No Paraná, depois de várias reuniões, buscamos referendar o nome de uma pessoa importante para nós, que também é vítima da violência do estado. A Áurea foi uma mulher guerreira, que atuou nos palcos de casas curitibanas e que nos deixou no começo do ano vítima da Covid. A Aurea tem em sua história o lesbocídio de uma companheira que viveu com ela, então para nós é muito simbólico”, explica Léo Ribas.
Para a articuladora da LBL, o projeto tem caráter educativo. “Além de combater as violências que culminam no lesbocídio, a proposta traz um caráter educativo. De educar para uma sociedade mais compreensiva, menos preconceituosa, mais justa, mais igualitária e onde sejam respeitados os corpos, práticas e experiências de cada pessoa”.
Questionada sobre o mês da Visibilidade Lésbica, Ribas é enfática ao afirmar que são momentos de luta e resistência, onde essas mulheres podem mostrar que existem e resistem e que o amor pode falar mais alto. “Hoje, diante deste governo genocida e lesbofóbico, nossa luta é nos mantermos vivas”.