A revisão do Plano Diretor de Curitiba, que está tramitando na Câmara Municipal, representa uma esperança para milhares de pessoas que, em pleno ano de 2015, não possuem uma moradia digna na chamada “cidade modelo”. Segundo dados de 2012, em uma pesquisa feita em parceria entre a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades e o Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional em Curitiba era de 71.822 moradias – procurada, a Cohab afirma que no momento o IBGE aponta que o déficit habitacional é de 43 mil residências. Vale ressaltar que, entre os critérios para considerar que uma moradia é inadequada estão a falta de estrutura de água, luz, esgoto ou lixo e o ônus excessivo com o aluguel – quando a família destina mais de 30% do orçamento no aluguel de onde mora.
O novo Plano Diretor indica alternativas para solucionar o problema da habitação na cidade. O problema, segundo militantes da área, é que o texto seria muito superficial. “A principal crítica que nós temos ao projeto do Plano Diretor é a ausência de regulamentação específica a alguns pontos que são importantes para a população mais afetada e mais carente de acesso à moradia”, aponta Maria Eugênia Trombini, da ONG Terra de Direitos. “O IPPUC optou por um projeto de lei mais genérico, mais abstrato, e com isso a gente não consegue instrumentalizar alguns dos dispositivos do Estatuto da Cidade que poderiam vir em benefício da regularização fundiária”, sinaliza.
Uma das diretrizes do Estatuto da Cidade apontado no texto é o IPTU progressivo. Ele é um dispositivo que cobra taxas mais pesadas do imposto de imóveis não utilizados, acelerando o processo de desapropriação de imóveis abandonados. O novo Plano Diretor de Curitiba, entretanto, não deixa claro se ou quando o instrumento passará a ser utilizado, deixando apenas explícito que a cidade pode utilizá-lo. “Há um avanço, por que o plano vigente, de 2004, não dá nenhuma diretriz em relação ao IPTU progressivo, e nesse novo ele diz que são terrenos com determinado tamanho, a cobrança será feita em determinado tempo, etc. Ele dá parâmetros, mas de fato não há nenhum compromisso de que isso vai ser cumprido”, acredita Bruno Meirinho, da Aliança pela Legalização das Moradias e da Frente Mobiliza Curitiba.
Esperança nas emendas
O texto está neste momento na fase de recebimento de emendas. A esperança dos movimentos sociais é que haja melhoras nos pontos em que o avanço é ainda muito tímido. Recentemente, a Frente Mobiliza Curitiba, formada por movimentos sociais, sindicatos, entidades e coletivos que trabalham em função de um projeto de cidade que promova justiça social e igualdade de acesso a bens e serviços, apresentou à Comissão de Urbanismo da Câmara um documento que aponta algumas alterações vistas como necessárias para o projeto.
Em relação ao IPTU Progressivo, a Frente cobra um maior controle social para monitorar a aplicação do dispositivo. Na emenda proposta ao texto, é colocado que serão admitidas denúncias feitas por qualquer cidadão de imóveis não edificados, subutilizados e não utilizados. No texto original, essa responsabilidade cabe apenas ao IPPUC.
Outro dispositivo que precisaria de regulamentação é o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), um mecanismo que aponta os efeitos positivos e negativos de um empreendimento na qualidade de vida da população que já vive na área. O EIV foi instituído no Plano Diretor vigente, de 2004, mas não foi aplicado.
Política institucional
Para Meirinho, falta uma política pública de habitação centrada na Prefeitura. O plano vigente centra essa obrigação na Cohab, mas ele acredita que a companhia não tem capacidade para assumir essa responsabilidade. “A Cohab é uma empresa, uma sociedade de economia mista. A política habitacional não pode ser concentrada apenas em uma empresa. Nisso o plano diretor infelizmente não avança. Ele deixa de vincular tanto à Cohab, mas ele não diz que deve haver uma política institucional”, critica.
Mesmo assim, os avanços são visíveis. Meirinho cita mecanismos esdrúxulos do atual plano, que não existem mais no novo Plano Diretor. “Por exemplo, tinha um artigo que dizia que habitação tinha que dar lucro. Ou seja, habitação popular só podia ser feita se não desse prejuízo. A Cohab tinha que ter um retorno interno de todo investimento que fizesse. Isso não faz nenhum sentido. Nós não podíamos fazer nada por causa do argumento de que não daria lucro. Isso já foi rechaçado por muita gente, inclusive por empresários. Acho que mesmo por isso, por haver um certo consenso, isso não existe mais no novo texto”.
Moradia digna
Considerando o número apresentado pela COHAB, de 43 mil moradias, e fazendo uma conta conservadora, considerando apenas três pessoas por família, o déficit habitacional de Curitiba representaria 129 mil pessoas sem habitação adequada, quase 10% da população da cidade.
Sem respaldo do Estado, famílias que não têm onde morar precisam apelar para as ocupações. Os exemplos mais recentes em Curitiba são as ocupações 29 de março e Tiradentes, ambas na Cidade Industrial. Quando as áreas foram ocupadas, em abril, cerca de 600 famílias ocupavam os locais. Enquanto o Plano Diretor não é aprovado, Curitiba tenta encontrar mecanismos para resolver o problema. Em junho, a Câmara Municipal aprovou a lei que implanta o Aluguel Social na cidade. Com isso, a Prefeitura poderá conceder o valor de até um salário mínimo regional (R$ 1.032,02) por mês para famílias sem condições financeiras, para cobrir gastos com moradia por até 24 meses, com possibilidade de prorrogação.
Nesta semana, foi realizada a última audiência pública sobre o Plano Diretor antes do projeto ir para votação. O evento também simbolizou o final da apresentação de emendas, que já são mais de 100. A vereadora Professora Josete já apresentou oito emendas ao projeto e deve apresentar mais algumas de interesse social nos próximos dias. Atualmente, o Plano Diretor se encontra na Comissão de Urbanismo e deve ser votado nas próximas semanas.