A Assembleia Popular de Curitiba e Região Metropolitana divulgou nesta quinta-feira (28) nota de repúdio à ação que despejou 53 famílias de moradias do programa “Minha casa, minha vida” em Curitiba, no bairro Ganchinho. Confira o texto na íntegra:
Nota de repúdio à ação de despejo das 53 famílias realizado no empreendimento Parque Iguaçu III, região Sul de Curitiba
Vivenciamos no dia 27 de novembro uma ação da Policia Federal, Policia Militar, Guarda Municipal de Curitiba, Companhia de Habitação Popular de Curitiba – Cohab e Fundação de Ação Social – FAS para reintegração de posse dos imóveis da Caixa Econômica Federal/Cohab ocupados no dia 07 de outubro e que ainda permaneciam vazios. Dentre estas famílias estão idosos, gestantes, crianças, mulheres chefes de família, jovens, sendo que todos viviam em moradias inadequadas e áreas de risco, sob ameaças e violências constantes, encontrando-se em total situação de vulnerabilidade social.
A operação iniciou às 6h da manhã e diante de todo o contexto de violação de direitos humanos fundamentais, o despejo em si representa a exteriorização de um Estado que não dá conta de garantir o que é seu dever, não apenas no que diz respeito à moradia, como o acesso à saúde, à assistência social e demais políticas públicas que de forma fragmentada, acabam por violar o direito na tentativa de assegurar o mínimo.
As ações realizadas demonstram a desarticulação dos órgãos públicos que despreparados acabam por deixar de garantir os direitos durante e após a ocupação. Neste sentido, listamos as principais violências vivenciadas e denunciamos o que não pode se repetir.
A presença de todo o aparato policial convocado para o despejo causou desconforto, medo, sensação de culpa e criminalidade, aflição, pavor e grande constrangimento, visto que muitos desses policiais agiram de forma indiferente e até mesmo irônica com a situação vivenciada pelas famílias ocupantes. Esse fato deixa em evidência a afirmativa de que lutar pelos direitos e pressionar o poder público para atender as demandas da população é considerado crime e ilegal, sendo que foram utilizados cerca de 500 policiais para uma ação com 53 famílias apenas.
Uma situação que causou grande impacto e comoção foi o de uma gestante com 39 semanas de uma gravidez de risco e pressão alta que passou mal mediante a ação de reintegração de posse e presença de grande número de policiais e outros agentes envolvidos. O atendimento demorou uma hora para acontecer mesmo com as 10 ligações para o SAMU feitas pelos moradores/ocupantes. Não fosse apenas a demora da ambulância, mas a desproteção e violação de direitos que a gestante foi submetida pelos policiais federais e militares quando tentaram intervir na situação, primeiramente dizendo que tinham ambulâncias perto e chegariam num instante e quando pressionados pela demora não demonstraram interesse em chamar a equipe de saúde. Logo então ofertaram viatura da policia para que a gestante fosse levada ao hospital.
Onde está a garantia do direito? Qual o motivo de entrar em uma viatura quando se deveria ter o atendimento hospitalar emergencial de uma unidade móvel? Enquanto a demora continuava, uma ambulância foi impedida de adentrar a ocupação, cancelando o chamado, que precisou ser refeito tempos depois. Durante todo esse caos instalado uma equipe dos bombeiros com formação e material para esse tipo de atendimento estava de prontidão em uma das entradas do empreendimento e não foi acionada por nenhum policial, adentrando apenas quando a organização popular foi até onde estavam para chamá-los, sendo que se deslocaram a pé até o local onde estava a gestante.
Outro fato de denúncia pelos moradores foi o atendimento inadequado de transporte de seus pertences, relatando que muitos de seus moveis foram deixados na rua ao chegar nos destinos. Junto a isso questionamos a Cohab no que se refere a contratação de serviços e pessoas não vinculadas ao poder público para atuar na desocupação, como foi o fato de uma mulher com prancheta na mão que “organizava” o transporte das famílias, sem nenhum preparo ou consciência do que estava acontecendo e quando questionada disse que era contratada pela Cohab.
No que se refere a Companhia de Habitação de Curitiba, os problemas não estão apenas relacionados ao fato específico do despejo, e sim toda a estrutura habitacional que é conflito fundante das famílias em questão e outras 50 mil de Curitiba que são cadastradas como pertencentes a faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida (com renda familiar de 0 a R$ 1.600,00/mês). O grande questionamento em torno do déficit habitacional é a quantidade ínfima de empreendimentos construídos que não supre a necessidade da cidade. Outro questionamento refere-se aos critérios para contemplação no programa habitacional.
Diante de tantos acontecimentos, outra violência é a forma com que os profissionais da Cohab tratam os usuários da política: de forma humilhante e irônica, sem respeito quando algo é dito por eles em manifestação pública e não considerando suas reivindicações. As famílias expressam que são tratadas “como lixo e indigentes”, o que demonstra a falta de preparo destes profissionais para um atendimento digno.
Ainda com a ação, é possível perceber o despreparo da Cohab que não fez contato prévio com a FAS, o Conselho Tutelar e outros órgãos que deveriam acompanhar o despejo, buscando uma ação integrada, o que deixou as famílias em situação de abandono público durante e após o ato.
Logo após o despejo, as famílias que precisavam de acolhimento institucional, por não terem outra condição de abrigo, foram encaminhadas até a Regional Bairro Novo, para receber algum tipo de auxilio imediato. Ao chegarem foi realizado um relatório da situação de cada família e encaminhadas para acolhimento no Guadalupe. Ao chegar ficaram sabendo que a FAS não estava preparada para atender estas famílias e não havia local para permanecerem. Passaram a tarde nessa espera, enquanto a FAS buscava vagas em outros acolhimentos. Nesse local, ficaram junto a pessoas que estavam sob efeito de álcool e outras drogas, sem água, nem acomodações adequadas.
Neste contexto, muitas famílias decidiram por sair dali, percebendo que outra situação, mesmo que fosse dormir de favor em algum lugar, pedir ajuda para algum parente, o que aprofundaria ainda mais essa situação de vulnerabilidade, porém seria mais favorável do que a situação de acolhimento proporcionada pela FAS.
As famílias que permaneceram nos acolhimentos foram encaminhadas para três abrigos diferentes, sendo eles, São João Batista, Eron e Capanema. O primeiro é destinado para o público masculino e mesmo assim foram encaminhadas mulheres com filhos pequenos. Para o segundo abrigo foram encaminhadas outras mulheres que se depararam com a realidade da dependência química, hostilidade por parte de outras mulheres já atendidas no local e sem o mínimo de privacidade para banho e outras necessidades, foi possível perceber que não é ambiente adequado para essa situação que envolve famílias. O terceiro abrigo foi destinado para os homens.
Diante de todo esse contexto seria ingênuo afirmar que o problema está apenas situado no que se refere à moradia, ou numa denúncia focada apenas em um órgão, mas sim em todo o aparato social que deve garantir os direitos da população nos aspectos gerais de sua produção e reprodução social. Percebemos que neste conflito há um sério envolvimento da política habitacional insuficiente e de toda a falta de integração entre os órgãos públicos para desenvolver ações de combate à falta de moradia e garantia das demais politicas públicas, entretanto, deve-se aceitar que atualmente há um grande número de famílias sem-teto na espera da casa própria e que o poder público não atinge essa realidade.
Com isso, pretendemos denunciar as faltas cometidas pela Companhia de Habitação durante anos e dos agentes de fiscalização envolvidos, pois urge o tempo de uma tomada de ação propositiva para resolução desse conflito.
28 de novembro de 2013
Assembleia Popular Curitiba e RM.