Fundada em 29 de março de 1693, Curitiba completa 326 anos em 2019. Quando da fundação ainda se chamava Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, nome que permaneceu até 1721, quando então recebeu o nome de Curitiba durante visita do ouvidor Raphael Pires Pardinho. O nome é originário da frase tupi-guarani “taki keva, Kury tyba” (aqui tem grande quantidade de pinhão).

Um nome que retrata a diversidade cultural que caracteriza sua formação e a contribuição de diferentes etnias no processo de construção da cidade. Um processo por vezes ignorado pela política de “embranquecimento” e a ideia que Curitiba foi formada exclusivamente por imigrantes europeus, negando assim a participação de povos indígenas e da população negra na formação do município.

Esses povos foram sujeitos de transformação na história da primeira República de Curitiba, especialmente no processo do tropeirismo e no período da erva-mate, indústria que monopolizou o capital e o trabalho, caracterizada pela mão de obra negra e indígena e o acúmulo de riquezas concentrada pela elite ervateira. Esses tropeiros abriram caminhos, fundaram vilarejos e estimularam o comércio com outras cidades.

Essa negação do passado e desvalorização da participação de negros e indígenas na formação do município pode ser constatada no painel exposto no auditório do anexo II da Câmara Municipal. Feito em 1998 pelo pintor e desenhista Arthur S. Correia de Freitas, o mural teria a intenção de retratar o surgimento da Câmara e, consequentemente, da própria cidade. Acontece que o painel só traz pessoas brancas e majoritariamente de olhos azuis. Uma imagem que contrasta com a primeira imagem que se conhece da cidade: uma aquarela de Debret, datada de 1827, onde o protagonista é um homem negro trabalhador.

Com o objetivo de fazer justiça com povos que também participaram do processo de formação da cidade, a vereadora Professora Josete (PT) e o ex-vereador e atual deputado Goura (PDT) protocolaram em dezembro de 2018 uma indicação à direção do Legislativo sugerindo uma alteração no mural. A ideia não é alterar a pintura original feita por Freitas, mas incluir outro painel com pinturas que retratem a presença de indígenas e negros no processo de formação da cidade.

Os autores destacam que o Paraná é o estado com maior população negra no Sul do país. Segundo dados do IBGE, negros, negras, pardos e pardas são 19,7% da população de Curitiba. No Paraná, cerca de 28,5% dos paranaenses se autodeclaram negros, negras, pardas ou pardos.

Curitiba e o Paraná já tiveram um terço de sua população composta por negros e mulatos. Censo feito em 1772, a mando de Afonso Botelho, revelou que a então Comarca do Paraná tinha um total de 7.627 habitantes, sendo 2.542 escravos e mulatos. Esses dados, junto com a existência de irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito dos Homens Pretos, com igrejas significativas tanto em Curitiba como em Paranaguá, desmancha o mito de um Paraná só de gente branca.

Essa contribuição da população negra à cultura e formação de Curitiba é lembrada pelo próprio prefeito Rafael Greca em seu livro “Luz dos Pinhais, História e Estórias de Curitiba”, onde o alcaide destaca que por 200 duzentos anos a força de trabalho que ergueu a vila e a cidade de Curitiba foi negra. Na mesma obra, ele cita a importância histórica dos irmãos Rebouças (André e Antônio), que desembarcaram no Paraná em meados de 1860 e desenvolveram projetos de estradas e ferrovias – como a Estrada da Graciosa e a Ferrovia Paranaguá-Curitiba; além da presença determinante da população negra na fundação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Outra figura de destaque na sociedade paranaense foi Enedina Alves, a primeira mulher a se formar em engenheira no Estado do Paraná e a primeira engenheira negra na história do Brasil. Filha de um casal de negros provenientes do êxodo rural após a abolição da escravatura em 1888, a família chegou em Curitiba em busca de melhores condições de vida.

Foi alfabetizada aos 12 anos e em 1926 ingressou no Instituto de Educação do Paraná, sempre trabalhando como doméstica e babá em casas da elite curitibana para custear seus estudos. Recebeu seu diploma de professora em 1932. Entre 1932 e 1935, Enedina lecionou em várias escolas públicas no interior do Paraná, entre elas, no grupo escolar São Matheus em 1932, atual colégio São Mateus.

Contudo, Enedina tinha um sonho de se tornar engenheira. Retornou à Curitiba e, com muitas dificuldades, se graduou no curso de Engenharia Civil na Universidade do Paraná, atual Universidade Federal do Paraná, no ano de 1945, aos 32 anos de idade.

Para os autores da indicação, a alteração é uma forma de valorizar povos que por muito tempo foram invisibilizados pela perspectiva da elite branca curitibana. “Existe um mito urbano que em Curitiba só tem brancos de olhos azuis. Infelizmente esse painel retrata e reforça isso. É algo que temos que corrigir, pois essa Casa [Câmara] é a casa do povo e precisamos de uma representação mais democrática do povo curitibano”, justifica Professora Josete.

Foto: Júlio Carignano

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