A cidade de Curitiba completa 326 anos nesta sexta-feira, 29 de março. Com um forte investimento em propaganda oficial – com gasto de mais de R$ 24 milhões somente em 2018 – e um discurso de uma cidade planejada criou-se o mito da “capital modelo” – hoje atualizada pelo termo “smart city” ou “cidade inteligente”. É fato que nossa Região Metropolitana tem um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, porém são números que contrastam com o índice de desigualdade social que faz Curitiba ser a quinta cidade com maior número de favelas no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Na opinião da vereadora Professora Josete (PT), ainda há uma grande parcela da população de Curitiba que não se sente parte desta “cidade modelo” que aparece na TV e na propaganda oficial. “Acredito que o maior presente para a população de Curitiba seria ter uma cidade realmente inclusiva. Infelizmente nossa cidade ainda é excludente, muitas pessoas estão à margem do acesso à políticas públicos e seguem invisibilizadas pela gestão Rafael Greca”, diz a parlamentar, lembrando dos moradores e moradoras da Vila Torres, Vila Parolin, Vila Isabel, entre outras regiões periféricas que sofrem com alagamentos em decorrência de obras paralisadas do poder público.

Apesar de a Prefeitura de Curitiba anunciar em sua página oficial que foi a capital do país com maior pontuação do “II Ranking Abes da Universalização do Saneamento”, Professora Josete lembra que a administração parece esquecer de regiões que ainda sofrem com a falta de saneamento básico. É o caso por exemplo da Vila 29 de Outubro, no Caximba, onde vivem cerca de 300 famílias sem contar com rede de esgoto e água encanada.

Outro problema é a ausência de uma política habitacional. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) 2015, a cidade de Curitiba tem um déficit habitacional de de 79.949 domicílios. A Região Metropolitana, por sua vez, responde pelo déficit de 76.305 unidades, de maior parte concentrada em área urbana. Em diálogo com o cenário nacional, é o alto preço do aluguel que responde como principal componente deste déficit na capital e RMC. Em mais de 60% dos casos a dificuldade de acesso à moradia adequada é compartilhada por famílias urbanas que possuem renda familiar de até três salários mínimos, com destinação de mais de 30% da renda para pagamento de aluguel.

De acordo com o levantamento realizado pela pesquisadora e arquiteta Ana Flávia Bassani, apenas na área central de Curitiba foram identificados 59 edifícios não utilizados e 46 subutilizados, isto é, em casos onde apenas o térreo é utilizado, sobretudo pelo comércio.

Para Josete, a prefeitura tem se esquivado de enfrentar o problema de maneira propositiva e resolutiva. O resultado disso é que a cidade conta com cerca de 70 mil pessoas vivendo em 412 ocupações irregulares, segundo dados da ONG Terra de Direitos. “Enquanto o poder público fecha os olhos para esse problemas as ocupações crescem e com elas as situações de precariedade, de preconceito e violência contra essa população”, destaca a vereadora ao recordar do caso da Ocupação 29 de Março, na CIC, que foi vítima de um incêndio criminoso em dezembro do ano passado.

Como consequência da ausência de uma política habitacional cresce o número de pessoas vivendo em situação de rua. “Na antiga gestão houveram tentativas e experiências para resolução deste problemas, como os abrigos, o Centro Pop, a Casa LBT, todas voltadas aos moradores e moradores de rua. Porém a atual gestão retrocedeu neste sentido, parou no tempo e hoje a única política parece ser a “higienista””, comenta Josete, destacando que é preciso chamar essas pessoas para elaboração de políticas públicas. “Elas [pessoas em situação de rua] não são ouvidas, as decisões são tomadas a portas fechadas dentro de gabinetes”, afirma a vereadora, cobrando orçamento para o setor.

Diante de todas essas constatações, Professora Josete avalia que a passagem do aniversário de 326 anos de Curitiba deve ser um momento de reflexão sobre a cidade que realmente queremos, uma cidade com democratização dos espaços públicos, com acesso facilitado, com um transporte público com preço justo e com qualidade, com fortalecimento de nossas empresas públicas e valorização de nossos servidores e servidoras, que respeite o meio ambiente, que seja inclusiva, com distribuição de renda e com participação popular nas políticas públicas e no controle social.

Foto: Julio Carignano

One thought on “Para além de “cidade inteligente”, Curitiba precisa se tornar inclusiva

  • Assustador saber que existem 412 ocupações ou favelas em nossa capital. Assustador também que áreas como parolim estão a mais de 30 anos sem solução. Marginalizados eternamente. C

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