Foto: Chico Camargo/CMC

Políticas públicas para igualdade e o direito constitucional à educação foram temas abordados na tribuna livre da Câmara Municipal Curitiba. Por convite da vereadora Professora Josete (PT), o espaço foi utilizado pela advogada Sandra Lia Leda Bazzo Barwisnki, presidenta da Comissão de Estudos sobre a Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (Cevige/OAB-PR) e integrante do Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil).

O projeto Escola Sem Partido, em trâmite no legislativo municipal e que propõe combater uma suposta “doutrinação política e ideológica” nas escolas, dominou os debates entre a pesquisadora e parlamentares. Para Sandra Barwinski, a proposta tem como objetivo policiar e a criminalizar professores, bem como fere a gestão democrática das escolas e o princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes, não permitindo que determinados temas sejam abordados em sala de aula.

Para embasar sua posição contrária a iniciativa, a advogada fez uma analogia com o livro “Armas silenciosas para guerras tranquilas”, no qual o filósofo e cientista estadunidense Noam Chomski, elabora uma lista de “10 estratégias de manipulação das massas”. Para Barwinski, o debate sobre educação transformou-se em uma “guerra tranquila com armas silenciosas”. Nessa batalha, segundo a advogada, “as estratégias do medo, do temor e do apelo emocional têm buscado manter o público na ignorância e na mediocridade”.

A analogia foi complementada com a afirmação que projetos como o Escola Sem Partido têm servido como cortina de fumaça para encobertar reais intenções. “O que tem sido deixado de lado, o que está encoberto por essa cortina de fumaça que veio na esteira dos planos de educação? O melhor interesse das crianças e dos adolescentes. A pergunta que deve pautar as discussões é qual a escola que temos, qual a escola que queremos, qual a escola que as crianças querem. Como fazer que eles queiram ir para a escola quando 80% do conteúdo está disponibilizado na internet? Alguém parou para ouvir as crianças e adolescentes honesta, franca e abertamente?”, questionou.

Na opinião da advogada, a escola ideal deve ser gratuita, plural, de qualidade e que incentive os estudantes a reflexão. “Será que as crianças estão preocupadas com policiamento de professores, com golpes na autonomia do seu pensamento crítico? Ou elas querem uma escola que os acolha, que os ouça, que os ajude a resolver dilemas e conflitos, na qual sintam que possam sonhar? Estamos ocupados em lhes oportunizar esse direito?”, apontou.

Contraponto

Coube aos vereadores Ezequias Barros (PRP) e Ozias Moraes (PRB), autores do Escola Sem Partido junto com Thiago Ferro (PSDB), defenderem a iniciativa. Eles rebateram as afirmações da advogada, afirmando que o objetivo do projeto é “combater o pensamento único nas escolas e resgatar valores da família”.

Barros afirmou que existe uma “esquerdopatia” entre os professores e citou que não há qualquer preconceito por trás da proposta. “Não temos nada contra gays, inclusive existem homossexuais na nossa igreja que congregam junto com a gente. Porém, só existem dois gêneros: o masculino e o feminismo, o resto é invencionismo”, disse o parlamentar, que também é pastor evangélico. Ele ainda criticou o que chama de “ideologia de gênero”. “Isso não é de hoje. Isso vem de [Karl] Marx, do ensino da destruição das famílias”, argumentou.

Já Osias Moraes rebateu as declarações de que o Escola Sem Partido busca “amordaçar” os professores. A iniciativa ficou conhecida como “Lei da Mordaça” em várias cidades onde esteve em pauta. Para Moraes, o objetivo é criar regras. “Liberdade sem regras, se torna libertinagem”, exclamou.

Após os autores discursarem sobre a “defesa da família”, a pesquisadora ponderou que grande parte dos casos de agressão a crianças e adolescentes ocorre dentro das famílias. “Quando [as crianças] sofrem violência das famílias, precisam de alguém que olhe por elas. Se não falarmos em discriminação [nas escolas], não teriam a quem recorrer quando a família falha”, citou.

Para Sandra, o próprio nome “Escola Sem Partido” constitui-se em uma “subversão semântica”. “Eu penso que o projeto é uma subversão semântica do sentido das palavras. O que é uma escola sem partido? O que é ‘sem partido’ para mim não é ‘sem partido’ para o senhor”, disse.

Obscurantismo

Durante os debates, os vereadores Professor Euler (PSD) e Goura (PDT) se posicionaram contra o Escola Sem Partido. “Vivemos uma época de obscurantismo em vários setores. Tem gente até questionando se a Terra é realmente redonda”, apontou Goura.

Para Professora Josete (PT), que propôs a tribuna livre, a explanação da pesquisadora foi importante para reflexão acerca de alterações que têm sido propostas em currículos e conteúdos da educação. Para a petista, a intenção real do Escola Sem Partido é promover uma “caça as bruxas” criminalizando educadores e educadoras . Ela voltou a criticar o uso do termo “ideologia de gênero” pelos defensores do projeto. “Não existe nada científico nisso, foi um jargão que inventaram para desqualificação do debate sobre diversidade e orientação sexual”, comentou.

Acompanharam a tribuna livre na Câmara de Vereadores: Carmen Ribeiro, da Rede Feminista de Saúde; Gabriela Martins, da Rede Mulheres Negras do Paraná; Luciana Kopsch, do Sismmac; Maria Isabel Correa, da União Brasileira de Mulheres; Marise Félix, do Mães pela Diversidade; Rafael Kirchhoff, da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/PR; Sabrina Taborda, do Transgrupo Marcela Prado; Silvana Rego, do Sismuc; Silvia Kreuz, do Grupo Mami; Simone Weinhardt Withers, da Secretaria Municipal da Educação; Tais Mendes, da APP-Sindicato; Thiago Fortes Ribas, do Laboratório de Investigação de Corpo, Gênero e Subjetividades na Educação da UFPR e Victória Dobri, das Promotoras Legais Populares.

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